Aparelhos de raios x em presídios são suspeitos de causar abortos
Grávidas passaram até seis vezes pela vistoria com radiação. Veja vídeo sobre o assunto
O uso de aparelhos de raio x na vistoria de pessoas em presídios
capixabas – conhecidos como bodyscanner – é suspeito de causar problemas
de saúde, incluindo abortos. Mais de 20 mulheres que foram a unidades
prisionais para visitar parentes acreditam que a perda de seus bebês,
nos primeiros meses de gestação, decorrem do uso inadequado dos
equipamentos.
A denúncia foi feita pelo Conselho Regional de
Técnicos em Radiologia – que fez um documentário com as mulheres que
perderam os bebês – a vários órgãos. Entre as instituições que receberam
o material está o Ministério Público Estadual, cujo promotor, Marcelo
Zenkner, adiantou que está analisando o caso.
A denúncia foi feita pelo Conselho Regional de
Técnicos em Radiologia – que fez um documentário com as mulheres que
perderam os bebês – a vários órgãos. Entre as instituições que receberam
o material está o Ministério Público Estadual, cujo promotor, Marcelo
Zenkner, adiantou que está analisando o caso.
Manipulação
Os
aparelhos usados na Penitenciária de Vila Velha I (PEVVI), em Xuri, e
no Centro de Detenção Provisória II (CDPVII), em Viana, são manipulados
por pessoas sem habilitação.
Por não terem conhecimento técnico
na leitura das imagens, os agentes penitenciários submeteriam os
visitantes a exames inadequados. “Há casos de pessoas que passaram até
seis vezes pela máquina”, relata o presidente do Conselho no Estado,
Marcos Neppel.
Veja o que diz a Secretaria Estadual de Justiça a respeito do assunto
O
problema ocorre quando agentes suspeitam do transporte de objetos
ilegais, como drogas ou celulares, nas cavidades do corpo. “Desconhecem a
anatomia humana, interpretam um feto como uma mancha e presumem que
possa ser droga”, diz Neppel, acrescentando que a repetição do exame não
melhora a qualidade da imagem. “Submetem as pessoas a sucessivas doses
de radiação”, diz.
Surpresa
Em
fiscalizações feitas em junho e agosto, o fiscal do conselho Josiel de
Oliveira identificou várias irregularidades. Além da ausência de técnico
em radiologia, as máquinas estão instaladas em locais inadequados, e
quem as manipula não utiliza equipamentos de proteção. “Para minha
surpresa, um dos diretores não sabia nem que o aparelho emitia raio x”,
relatou.
A ele agentes relataram que, após o exame, os visitantes
aguardam a visitação ao lado da máquina. “Como não há proteção no
espaço, continuam sujeitos à radiação”, acrescenta Josiel.
Entre
os documentos que compõem a denúncia está um ofício da direção de uma
unidade, determinando que grávidas e crianças passem pelas máquinas até
após a visita. Quem se recusa tem o direito à visitação suspenso. “Vim
de tão longe, o que fazer?”, desabafou Ana, que perdeu um bebê no
segundo mês de gestação. Ela, como outras entrevistadas, recebeu nome
fictício por temer por sua segurança.
O presidente da Sociedade
de Ginecologia e Obstetrícia do Estado (Sogoes), Henrique Zacarias,
explica que gravidez não combina com raio x. “O bom senso é que se
evite. E quanto mais precoce for a gravidez maior a probabilidade de
afetar o desenvolvimento do feto”, disse.
Para evitar que a
gravidez fosse afetada, a adolescente Silvana – hoje no quinto mês de
gestação – enfrentou uma batalha e ficou até sem visitar seu
companheiro. Ao conselho, sua mãe contou que, mesmo apresentando os
exames, foi exigido que a garota passasse pelo bodyscanner. “Ela não
aceitou, seguindo orientação médica, e as visitas foram suspensas.”
Já
Sônia não teve alternativa. “Passei umas três ou quatro vezes pela
máquina. Algumas semanas depois, perdi o bebê. Ficaram o vazio e a
revolta.”
Neppel reconhece que o raio x é importante para
segurança dos presídios, mas avalia que precisa ser mais bem utilizado.
“Para evitar problemas à saude de terceiros”, alega. Ele acrescenta ter
recebido relatos de que os agentes brincam com o aparelho, examinando
colegas. “Esquecem que estão tomando doses de radiação.”
“Registrei e, depois, enterrei o meu bebê”
Após quatro anos de tentativas, a administradora de empresas Maria,
de 35 anos – que pediu para não ter seu nome revelado –, finalmente
conseguiu engravidar. Um gestação que foi acompanhada com muito cuidado.
“Optamos por fazer todo o acompanhamento particular para não termos
problemas”, relatou. O sonho foi interrompido em abril por um aborto,
quando ela caminhava para os seis meses de gestação.
Maria é uma
das mulheres que suspeitam de que o raio x utilizado nos presídios
capixabas possa ter causando a perda de seu bebê. “Registrei o
nascimento do meu filho e enterrei o bebê no mesmo dia”, relata,
emocionada, com as certidões de nascimento e de óbito nas mãos.
Nos
meses que antecederam o aborto, ela mantinha a rotina de visitar um
parente num presídio, a cada 15 dias. Em todas as ocasiões, passou pelo
bodyscanner. “Não imaginei que isso pudesse acontecer. Só não passei
pela máquina no último mês, quando outra mulher fez o alerta”, relatou
Maria.
Até isso ocorrer, os exames indicavam que sua gravidez
estava bem. “Era uma felicidade só. Um bebê muito desejado”, diz,
mostrando os exames de seu filho. “Seria um menino”, acrescenta, com a
voz embargada.
Segundo seus médicos, não houve infecções ou outro
problema que justifiquem o aborto. “Nada que explique o que aconteceu”,
fala Maria. Para ela, tem sido difícil retomar as idas ao presídio. “Só
restou a revolta.”
Radiação já é usada em vários setores
Para a presidente do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia
(Conter), Valdelice Teodoro, aparelhos de radiologia estão sendo
utilizados de forma indiscriminada em vários setores: do controle de
alimentos a portos e aeroportos. E, na maioria desses casos, pondera,
manipulados por pessoas sem habilitação. Mas há uma diferença no caso
dos presídios, diz Valdelice: “Nos aeroportos, você passa a bagagem
pelos aparelhos; nos presídios, é o seu corpo”. Confira alguns pontos da
entrevista concedida por ela na última semana, durante seminário do
Conselho realizado no Estado.
Experiência
Passei
pela amarga experiência de perder um filho por causa da radiação.
Trabalhava em um setor de radioterapia. Fiquei afastada nos três
primeiros meses, mas depois tive que voltar. Isso afetou meu bebê, que
nasceu morto. A placenta envelheceu antes do tempo devido à radiação.
Males
O
uso de aparelhos de raio x para vistoria em presídios não é um problema
só do Espírito Santo. Hoje, onde se vai se encontra um equipamento de
controle que usa radiação, a maioria manipulada por guardas de
segurança, sem nenhum conhecimento sobre a imagem. É grave pessoas sem
formação científica, que não conhecem as nocividades da radiação,
expondo pessoas de uma forma irresponsável, causando males à saúde.
Exposição
O
nível de exposição considerado ideal é de 20 milisievert (medida de
radiação) a cada cinco anos. Mas a radiação não é como um medicamento
que você toma e após algum tempo o efeito passa. Ela tem efeito
estocástico, ou seja, vai sendo acumulada no seu organismo, desde o seu
primeiro exame, ainda na infância, e pode trazer consequências até a
terceira geração.
Legislação
A Comissão
Nacional de Energia Nuclear (CNEN) é o órgão responsável, autorizado
pelo governo federal, para acompanhar onde estão os equipamentos e as
fontes de material radioativo no país. Mas ela ultrapassou seus limites
ao emitir um parecer sobre a dosagem de radiação dos aparelhos
utilizados no aeroportos, dizendo que era baixa, e que, por isso, os
equipamentos poderiam ser manipulados por pessoas não habilitadas. Mas
não emitiram um novo parecer para os novos aparelhos que agora estão
sendo utilizados nos presídios. E há uma diferença: nos aeroportos você
passa a sua bagagem pelos aparelhos, nos presídios eles fazem a leitura
do seu corpo. É você que está exposto à radiação.
Fiscalização
Temos
um papel social, que inclui os cuidados com a saúde. Nas fiscalizações,
proibimos o exercício ilegal da profissão para coibir que pessoas sem
qualificação e formação façam o cidadão de cobaia, repetindo
radiografias, praticando exames de má qualidade. Não estamos numa briga
por campo de trabalho.
Segue o video:
http://www.youtube.com/watch?v=ClLG6RJp9OE
Fonte:
A Gazeta